quinta-feira, junho 08, 2006

as bodas


Aconteceu na noite de Bodas, e Heitor não soube como
agir diante do patético. Mas o agravante da coisa
é que aquilo não parecia nada patético, não para Elisa.
Por isso mesmo ele respeitou, calado,
conferindo a pintura do teto.

Já era madrugada, estavam sozinhos na casa.
Os corpos estirados na cama nem se moviam.
Mal chegavam a suar - não como nos tempos de namoro, claro.
Mas a paixão era igual, intensa, inteira.
Elisa e Heitor sempre foram um par feliz.
Souberam transmitir valores sólidos aos filhos,
contornaram juntos as adversidades da vida, aprenderam
a conviver em paz ao longo das décadas.
Heitor e Elisa sentiam uma espécie de orgulho secreto
de si mesmos, e isso sim era bonito.

Naquela noite de Bodas, como gostavam de fazer, entraram pelo corredor da casa já espalhando as roupas pelo piso. Heitor não parecia incomodar-se com a flacidez da pele de Elisa, seus lábios murchos iam sugando as partes dela como podia, eram dois bailarinos tropeçando numa valsa antiga, esgueirando-se nas paredes, cautelosos com a idade, até chegar intactos à velha cama. Elisa nunca teve cerimônias, armou-se arisca sobre o corpo magricelo e pelancudo de Heitor, diversificou seus movimentos, inventou novos gemidos e por fim desabou sobre as rugas brancas do lençol.

Ficaram em longo silêncio recuperando-se da morte feliz, Heitor acariciando os cabelos de Elisa. Até que ela virou pro lado, apertou firme os dedos magros do marido e suspirou baixinho: “De agora em diante já não sou mais virgem”. O velho não soube entender, surpreendeu-se com o patético daquelas palavras. Mas sua mulher o dizia cheia de verdades, havia um tom sincero em sua fala, de modo que achou respeitoso continuar alisando os fios de algodão de seu cabelo e reprimir o riso.
Dormiram.

Na manhã seguinte Heitor deu falta do cheiro de café, estranhou não ter ouvido a cortina da sala correr no trilho. Lentamente abriu os olhos e virou-se, apalpando a cama. Não demorou a entender que Elisa ainda estava ali, tão nua e pequena, e que havia desvirginado-a na noite de Bodas, pouco antes de sua partida.

3 Comments:

Blogger elisandro said...

Não vá!

7:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

Bonito...

9:54 PM  
Blogger Vizionario said...

Poderoso.

6:20 PM  

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