sábado, fevereiro 20, 2010

O plagiador


Para a Caroline, o Bruno e o Roger.

Ele nunca soube nosso nome. Nós, ao contrário, nunca mais esquecemos o dele. Marcos Beccari. Capricorniano, 22 anos. Escritor profissional, exibicionista amador. Desenhista de mão cheia (ou poeta de alma vazia?). Em resumo, um artista incompreendido em busca de manifestações descartáveis e temporárias para uso próprio. Um lixo que ele pudesse chamar de seu.

Ele ria de nós e dos nossos codinomes. Nos tomava por artistas românticos, vaidosos, pretensiosos. Que escrevíamos para a posteridade, ainda que não passássemos de pobres anônimos, demônios solitários ocultos no avesso de uma tela luminosa. Ele devia supor que apertávamos a mão de um amigo como quem pressiona o botão do mouse.

O Marcos, aquela criança bobona que continua se engalfinhando com palavras bonitas como verdade, linguagem, autoria, artifício, ready-made. Aquele guri confuso em busca de alguma autenticidade. Ele não sabe o nosso nome, nunca soube o nosso nome. E como saber, se somos invisíveis? Para quê saber, se não deixaremos rastro daqui a 100 anos, quando todas as urls do mundo expirarem.

Então, vocês podem imaginar o susto que levei quando, na sala da casa de um amigo em comum, fomos apresentados: “Mariana, este é o Marcos Beccari, baita autor, está terminando um livro. Escreve prá caralho. Marcos, essa é a Mariana Sanchez. Vocês já se conhecem?”. Quis dizer que ele tentou fazer um filho em mim, sem o meu consentimento – nem o da minha linguagem –, e que jamais deixei de ser eu para me tornar outro, menos ainda seu heterônimo. Ao invés disso, aceitei o jogo: conversamos respeitosamente e até trocamos cartões de visitas, cunhados com nossos nomes verdadeiros.

Antes de ir embora, ainda manifestei meu interesse em ler sua obra mais recente. Só assim, pela caligrafia do autógrafo na folha de rosto, eu conheceria finalmente a sua assinatura.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Orelha do Livro


Pra que a literatura não entre por um ouvido e saia pelo outro,
www.orelhadolivro.com.br.
Eu espero você!

quinta-feira, outubro 02, 2008

A dupla volta do cronópio


Por Mariana Sanchez

Com 40 anos de atraso, duas obras inéditas do escritor argentino Julio Cortázar chegam ao Brasil de uma tacada só.
(Leia matéria completa aqui.)

terça-feira, setembro 16, 2008

simulacro


Um sujeito de barba rala entra no café onde estou lendo Bioy Casares. Me interrompe e pergunta se sou Mariana. Digo que sim, com a cabeça. Logo atrás vem uma menina, pedindo desculpas pela confusão. Chama-se Mariana e também veste branco.

O paralelismo dos personagens e da situação me faz pensar que a máquina de Morel já entrou em funcionamento, embora eu nem tenha avançado a página 50.

Termino o machiatto, cruzo a porta, caminho oito quadras pela sombra. E já sei que continuarei na mesma mesa lendo Bioy Casares, com a mesma blusa branca respingada de café.

domingo, setembro 07, 2008

Música para sair do carro



Em setembro, a Bicicletada Curitiba promove uma série de atividades de reflexão sobre o uso irrestrito dos automóveis na cidade. A "Música para sair do carro" acontece sempre às 18h. A programação completa do "Arte, Bicicleta, Mobilidade" você encontra aqui.

E lembre-se, dia 22 de setembro é o Dia Mundial sem Carro. Onde quer que você vá, ponha o prazer no meio das pernas: vá de bicicleta.

terça-feira, julho 15, 2008

As botas da minha amiga


Para a Ana, ao som de Dave Matheus Band

De hoje em diante, vou andar diferente. Pisar mais macio, muito leve, mais florido. Quando a gente era pequena, alguém nos leu a história maravilhosa do gato de botas. Deve ter sido a minha avó, que também contava como ninguém a lenda do pequeno polegar e sua bota de sete léguas. Pois a minha bota também tem superpoderes, e eles são muito mais incríveis e fascinantes. Falo dos poderes de compartilhar o par de botas que um dia coube nos pés da minha melhor amiga. Isso foi há mais de dez anos, quando caminhávamos juntas, invariavelmente na mesma direção. Minha amiga comprou umas botas floridas lindíssimas em uma feira de artigos exclusivos. Não tinha o meu número, mas precisamos ser sempre iguais, então eu comprei um cinto de mesma estampa. Durante anos exibimos por aí nossas flores exclusivas. Até que crescemos. Roupas e acessórios foram se perdendo no buraco negro dos guarda-roupas. Ficando pra trás; menores, estreitos, apertados. Como se o tempo tivesse passado como quem dá um passo de sete léguas.

Hoje sou eu quem piso macio. Dez anos depois das nossas andanças a quatro pernas por Curitiba, minha amiga decidiu que era hora de me emprestar sua bota florida. Talvez porque ela já não cabe mais no seu passo. Ou talvez porque minha amiga queira estar sempre perto de mim, mesmo quando existirem sete léguas entre nós. É por isso que hoje eu tirei o pó das botas guardadas durante anos e as levarei para passear pelas ruas de sempre. Com a diferença que a cidade cresceu, e também os nossos pés e a nossa amizade. Mas as botas floridas continuam iguais, mais macias do que nunca.

segunda-feira, maio 12, 2008

Mutum y La Ciénaga: geografías no tan lejanas



Por Mariana Sanchez

Doce películas brasileñas nunca estrenadas en la Argentina aterrizarán en suelo porteño para la primera edición del Cine Fest Brasil Buenos Aires, que ocurrirá entre el 8 y 14 de mayo en el Village Recoleta. Entre las proyecciones anunciadas está Mutum, primer largo-metraje de la directora carioca Sandra Kogut y la gran sorpresa de la 39a Quincena de Realizadores de Cannes 2007.

Adaptación cinematográfica de la obra Campo Geral de Guimarães Rosa – seguramente el mayor escritor brasileño del siglo XX –, Mutum fue filmado en el sertão (desierto) de Minas Gerais con actores profesionales e iniciantes, conducidos magistralmente por Fátima Toledo, quien ha trabajado en la preparación de actores de películas como Ciudad de Dios y Tropa de Elite. El casting reunió en torno de mil chicos de familias muy pobres en su mayoría y sin cualquier contacto anterior con la televisión o el cine. El encuentro de Sandra Kogut con el protagonista Thiago ocurrió casualmente en una escuela rural del norte de Minas. “Cuando lo vi sentadito en un rincón de la sala me impresioné con su mirada. Era la mirada de alguien que parecía decir ‘no es posible que el mundo sea así”, recuerda Kogut, quien mantuvo los nombres reales de los actores luego de notar que “una parte importante del personaje se torna lo que es la propia persona”. Según la directora, ningún actor tuvo acceso al guión de Mutum. Todo fue transmitido oralmente y de manera muy orgánica, mezclándose a la realidad de los sertanejos de la región.

A más de dos mil kilómetros y casi seis años después, Mutum establece diálogos curiosos con el largo-metraje de estreno de otra importante directora latino-americana: Lucrecia Martel, quien concurre este mes en la Competencia Oficial de Cannes con su producción más reciente, La Mujer Sin Cabeza. Aunque a primera vista la vegetación tropical del interior de Salta pueda contrastar con la inhóspita aridez del sertão de Minas, en seguida descubrimos que tanto Kogut cuanto Martel parten de una cierta geografía para retratar la intimidad y las angustias de las relaciones familiares, asumiendo claramente el punto de vista de los chicos. El propio título de ambas películas remite al nombre de las ciudades en donde ocurren los relatos – nombres, además, cargados de sentido: si La Ciénaga refuerza la metáfora del pantano en que la familia de Mecha y Tali se hunden, impedidas de cualquier transformación, Mutum es un ave negra que sólo canta de noche, lo que justifica la palabra ser usada localmente como sinónimo para “mudo”. Mutum es también el municipio de Minas Gerais donde vive la familia de Thiago, lejana e incomunicable, confiando secretos de sangre en papelitos amasados.

En la ópera-prima de Martel, es la niña Momi quien orienta nuestra mirada. En Mutum, por su vez, es a través de la mirada miope del niño Thiago que podemos llegar al mundo de los adultos. Las dos directoras demuestran especial interés en la exploración de la sensibilidad: lo que se ve, lo que se toca o lo que se siente. En específico, ninguna de las películas se contenta con un registro sonoro netamente descriptivo, referencial. Kogut y Martel proponen una especie de sonoridad interna, sensorial, muy propia del universo infantil, cuando toda suerte de percepción es aflorada por la curiosidad. Pero no se trata solamente de la percepción física aprehendida por los sentidos humanos, si no que va más allá: Thiago se cuestiona constantemente acerca de lo que percibe como siendo bueno o malo. “Cuando uno es niño, las reglas son frecuentemente la cosa más misteriosa del mundo, y es difícil comprender lo que es cierto o errado”, explica la directora de Brasil. “Pasamos mucho tiempo confundidos en esto y tenemos la sensación presente de que las reglas son distintas para los adultos y los chicos.” Es importante recordar que, en el caso especifico de Martel, la salteña lleva esa discusión a las últimas consecuencias en su película posterior, La Niña Santa, en que la protagonista Amalia oscila entre el pecado de la carne y la elevación del espíritu después de conocer al Dr. Jano.

Otro paralelo posible entre esas dos películas de estreno viene a ser la muerte de un niño como plot point. En La Ciénaga, ni mismo la caída fatal de Luchi al final de la proyección es capaz de sacar los microcosmos de Mecha y Tali de su eterna modorra. Todo permanece igual. “No vi nada”, dice Momi, al regresar del tanque donde fieles veían la imagen de la Virgen. El relato termina sin cualquier esperanza de cambio. En ese sentido, Mutum asume otro camino al apuntar para una luz: tras la muerte de su hermano Felipe, Thiago es llevado a la ciudad, abandonando la geografía de hambre y decadencia de Mutum. La gran ciudad es solo promesas, la promesa de estudiar, de aprender un oficio y sobretodo la de conseguir los anteojos necesarios para ver el mundo con nuevos colores.

Thiago da Silva Mariz – el actor de verdad, no el personaje –, también tuvo la oportunidad de ir a la gran ciudad. Cuando Mutum estrenó en el Festival de Cine del Rio de Janeiro, en septiembre de 2007, viajó hasta allá, asistió la película, cedió entrevistas y apareció en la tele. Aquella era la primera vez que el niño de diez años ingresaba en una sala de cine. Pero su visita a la ciudad fue corta. Dos días después ya había regresado a Capivara, en el sertão mineiro de Guimarães Rosa, que ahora también es un poco el sertão de Sandra Kogut.

quinta-feira, abril 10, 2008

dormir, escrever, explodir

“Um escritor escreve para não explodir. E isso é tudo. O mais são firulas e lantejoulas. Um escritor escreve porque não agüenta mais. Quem suporta mais um pouco, não escreve. Simplesmente vai pra casa, janta, vê televisão e dorme em paz. Dorme o sono dos justos, dos ignorantes ou dos otários. Não sei. Sei que dorme."

João Antônio, o gênio da literatura brasileira que escreveu Malagueta, Perus e Bacanaço.

sexta-feira, março 07, 2008

partidas (e chegadas)


Bárbara Lia, Pedro Carrano e Mari Sanchez marcam um encontro sob a luz amarela de Curitiba à noite, no Largo da Ordem, onde se conheceram dez anos atrás. Os papéis agora são invertidos e a poeta se veste de jornalista, propõe entrevistar os viajantes. É quinta-feira de um mês ímpar de ano bissexto. Noite ideal para ouvir nossos relatos callejeros, sentir o mesmo vento de outros tempos: viagens de ventania.

O encontro é também uma quase-despedida. Antes de partir à Chiapas, mais uma vez, Carrano decide que serei a herdeira fiel de sua biblioteca, seus escritos encadernados e a cobiçada mesa de xadrez. Eli Dalcin une-se a nós e pede uma cerveja. A magreza de Pedro e sua barba espessa indicam que a estrada se aproxima a cada dia. E o tempo passará mais lento nas montanhas chiapanecas que nos bares do Largo da Ordem, entre um e outro trago. A poeta Lia fará livros; Mari e Eli farão filhos; Pedro fará um pouco de cada vez.

Daqui a vinte e cinco anos, ninguém poderá dizer que estaremos vivos. Bárbara morrerá de amor; Pedro, na guerrilha; Mari e Eli morrerão de tédio em Curitiba ("a vida será, portanto, um depósito da morte"). Nossos filhos, orientados por bilhetes e relatos em cadernetas, marcarão um encontro no apartamento 204. As histórias irão se cruzar e as memórias flutuarão pela sala, entre o movimento de um bispo e a captura de um cavalo.

Na mesa de xadrez que Mariana herdou de Pedro.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

fragmentos cotidianos e um pouco de cafeína ou Intervalo para almoço



Na esquina da alameda carlos de carvalho com a rua ermelino de leão tem um café diferente de todos os outros. Não me refiro à decoração solene e harmoniosa, com sua pequena varanda que dá pra rua, portas de vidro muito altas, espelhos e ventiladores de teto soprando guardanapos. Falo da cidade, que se estende lá fora até entrar em meu campo visual pela grande e estreita porta da frente. É um pouco como a taberna que Wayne Wang filmou numa esquina do Brooklin na década de noventa. O mundo inteiro passava por ali, entrava, existia por alguns minutos e depois saía com uma carteira de cigarros de menta e um punhado de moedas nos bolsos.


Vou lá todos os dias, na hora do almoço, acompanhada de Felisberto Hernández, Albert Camus ou Julio Cortazar. As leituras de sempre. Hoje uma garçonete pequenininha derrubou uma xícara de café espumante quando me servia, melecando meus sapatos e o chão quadriculado do estabelecimento. Dois executivos da mesa ao lado preocuparam-se pelos cacos de porcelana – barata, comprada em campo largo – e pelas abelhas que rondavam o líquido doce. Eu disse que tudo bem, no máximo sairíamos um pouco mais açucarados. Nada mal, se hoje é Valentine’s day.

Cafés não são como aeroportos, táxis ou shopping-centers climatizados, e é por isso que gosto de sentar aqui para ler um livro ou me sentir menos sozinha, o que pode soar redundante. De onde estou consigo ver o antigo Cine Lido, um dos cinemas de rua convertidos em bingo, onde assisti às películas de Indiana Jones com meu pai. A cidade era outra, o caos mais ameno, Leminski ainda escrevia e o café da Boca tinha outro perfume. São dez pras duas. A breve fenda no tempo que se abre enquanto tomo o café e permaneço aqui já se prepara para fechar. De novo o expediente, o automatismo, um elevador lotado até o décimo terceiro andar. Pago a bebida e enquanto espero as moedas aproveito os últimos minutos para espiar a esquina pela fresta de vidro. Bem no cruzamento da alameda carlos de carvalho com a rua ermelino de leão, uma chuva melancólica está pronta para começar.

(fotografia: elisandro dalcin e sua flexaret)

terça-feira, dezembro 18, 2007

asfalto



plaf. uma caixa de ovos inteira.
no chão, a bicicleta ainda rangendo os dentes.
apenas um joelho
levemente arranhado.

e ela nem chorou sobre o ovo derramado.

(post fora de contexto, pura desculpa para publicar uma foto de eli dalcin)

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Da Terra ao Céu, Kibbutz do desejo


Vamos nos encher de coragem e subir ao palco do porão para pular amarelinha na próxima terça-feira. Microfone aberto aos cronópios mais ousados. (Por favor, deixem o capítulo sete em paz.) Estão todos e todas convidados.

terça-feira, novembro 20, 2007

Praça: a cidade entre parênteses

Montagem audiofotográfica exibida na 1a Mostra Caixola.
Pra reviver a minha pracinha:
http://www.youtube.com/watch?v=1dm2hVtpTd4

sábado, agosto 11, 2007

El Nuevo Cine Argentino

Toda segunda-feira às 19h, até o final do ano, na FAP.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Álbum portenho

Tren en Caballito, Buenos Aires. abril/07
Parque Rivadavia, Buenos Aires. abril/07

quarta-feira, julho 25, 2007

e o caos ainda é portátil

Ilustra e texto de Orlando Pedroso.

sábado, julho 21, 2007

Era uma casa muito engraçada...


Não era muito longe: cem quilômetros da cidade, cem passos do mar. Nos anos cinqüenta, era ali que ficavam as férias de Cecília, aquela magrelinha de biquíni que se bronzeava muito. Na casa, era só ela e a mãe, até que no último dia de praia o pai chegava, levantando poeira no belair cinza-claro para levar as meninas de volta à cidade. Fim de férias, Cecília já era mulata-carvão, nem o pai reconhecia. Ela cresceu, namorou e namorou. Nos anos setenta conheceu o noivo, foi logo ali, na outra praia.

A casa ainda era a colônia de férias dos filhos: longos galhos de árvore para escalar, pão perfumado feito em casa, o cabelo pixaim da dona Vina, bete-ombro na rua de trás. A família era de açúcar, um dia desmanchou. A casa foi mais forte – era feita com muito esmero – e agüentou firme os anos. Pescarias com o avô, festas de natal e um colchão extra para os primos. Depois vieram os carnavais, os namorados, a galera do cursinho. Era uma casa muito engraçada. Falávamos em juntar fotografias, frases e poemas, enterrar no quintal, na raiz da árvore, e abrir só depois que. Ou nunca. Mas a memória não se enterra, e ela continuou habitando as paredes, lajotas, teto e rachaduras.

Agora, não estamos mais lá. Nossas férias têm outros donos. Outros nomes. Outras histórias. Nossa casa não tem mais teto, não tem mais nada. E agora ninguém pode entrar nela, não. Nem dormir na rede. Nem fazer pipi. Mas a Terra gira e o mar continua indo e vindo, a cem passos da casa. Na rua dos Bobos, número zero.

domingo, junho 03, 2007

etiqueta

- por favor, já lhe disse, não se deve escrever de boca cheia.

terça-feira, maio 08, 2007


Mudanza

pienso en el destino
lo que hice o lo que haré
a ver qué hay para comer
en las bolsas ropa
libro con los libros
remedios vencidos

y miraba la calle imán
con mis ojos de metal
yo no quiero hablar más
soy mi casa y digo adiós

todo el tiempo, todo el viento
nunca en el mismo lugar
tantas voces, tantos días, tantas flores
hay palabras que no me quiero llevar

y cambié vecinos
barrio, techo y cielo
y a dormir vestido
ya sé que así el ruido se va
así no tengo que decir
así no tengo que pensar

sigo andando y te veo a vos
con tus ojos de viajar
no te rías si estoy mirándote
los mapas son excusas si tus manos son mías

irse cerca, irse lejos
mudarse al mismo lugar
mudo ropa, mudo piel, palabra muda
no me muevo si no tengo a quién volver

no te vayas si estoy durmiéndome
que quiero despertarme y ver tus ojos prendidos.

(Letra de Guillermo Pesoa, um dos poetas da Pequeña Orquesta Reincidentes)

sexta-feira, maio 04, 2007

da série Guaranis



fotografia: mariana sanchez

quarta-feira, março 28, 2007

Instruções para conhecer Buenos Aires


A uma semana de pisar novamente em Buenos Aires, reproduzo aqui esse texto escrito dois anos atrás, em tempos de aventuras libertário-literárias com Pedro Carrano.

Primeiro, circule no mapa da cidade todos os 150 lugares que se quer conhecer, mesmo sabendo que seriam necessárias 3 semanas pra percorrer a metade deles.

De manhã, ao acordar, tome seu desayuno escutando a rádio La Dos por Cuatro e arrisque uns passos de tango se ninguém estiver olhando.

Sorria sempre que vir um homem argentino cumprimentando outro com um beijo na bochecha, sem as viadagens típicas dos brasileiros.

Fotografe a casa rosada com filme preto e branco.

Apêndice 1: as ruas

Marque um encontro qualquer na esquina da Corrientes com a Anibal Troilo, como faziam os dirigentes do partido socialista argentino.

Por alguns minutos tente imaginar a cor dos olhos de Juana Manso - umas das 30 mil pessoas que desapareceram em Buenos Aires na época da ditadura - enquanto se caminha pela rua que tem o seu nome, perto de Puerto Madero.

Num domingo de chuva, passeie tranquilamente pelas ruas de liliput, assim chamadas pelos moradores do bairro de Flores, quando crianças.

Escolha uma tarde de sol infernal e caminhe da plaza de mayo até a recoleta até encontrar a biblioteca nacional fechada. Volte sem fazer cara feia.

Duvide, realmente duvide que a 9 de julio é a avenida mais larga do mundo. Diga isso a um portenho e observe como sua expressão facial se altera em poucos minutos.

Apêndice 2: conhecimento-geral

Aprenda que há milhares de anos na Patagônia existiu o Argentinosauro.

Se sinta um palerma por não entender a maioria dos lunfardos (gírias) portenhos.

Saiba reconhecer que a expressão "Aburrido como una tortuga de aljibe" é de uma melancolia e beleza que não existem na língua portuguesa.

Deixe a letra de um tango te ensinar que "mate", além de bebida, é uma outra palavra para "cérebro".

Apêndice 3: os metrôs

Preste atenção nos portenhos que trazem debaixo do braço grossos volumes para ler entre uma estação e outra. É interessante perceber os títulos, que vão de Mario Benedetti a El Ladrón de Tumbas, passando por obras acadêmicas que as universitárias lêem orgulhosas enquanto se penduram nas argolas do teto dos trens.

Mais de uma vez, faça o percurso do metrô pela linha A, a mais antiga da cidade, parando em todas as estações desde a Primera Junta até a Plaza de Mayo em busca das criaturas pálidas que habitam os subterrâneos de Buenos Aires. Lembre-se que, por cima do túnel, corre a Avenida Rivadavia.

Ande de metrô escutando Tosca Tango Orquestra no walkman e note como até as velhas gordas com sacolas de mercado parecem saber dançar.

Outros apêndices

Incline a cabeça num ângulo de 95 graus e repare os detalhes das folhas de Tipas, imensas árvores responsáveis pelas sombras frescas do Museo de Ciencias Naturales.

Tente enxergar o menor parque de diversões do mundo quando passar pela esquina da Rojas com a Bacaray, em Caballito.

Passe em frente ao zoológico de Buenos Aires, morada de um sem-número de gatos, e faça um telefonema demorado.

Escondido atrás de uma roseira, tire fotos dos casais que passeiam pelo parque 3 de Febrero, em Palermo, e vibre se conseguir clicar um beijo.

Assista a uma película portenha com Ricardo Darín sem legendas, num cinema de arte da calle Suipacha.

Jamais desista de encontrar o lendário cantor de tango Julio Martel, mesmo que tenha que passar pelas ruas mais obscuras da cidade ou entrar no Palácio de Obras Sanitárias da calle Cordoba.

Bote a mão no peito quando tocar o Hino Argentino à meia noite, transmitido por todas as rádios da capital quando se encerra a programação.

Agora, volte aos 150 pontos circulados no mapa da cidade, ache mais 70 e guarde tudo pra ver - e rever - quando voltar à Buenos Aires.
Porque, sim, você vai voltar.

quarta-feira, março 14, 2007

Manual do Manoel (pelo Dia Nacional da Poesia)

"Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos".
(Manoel de Barros, Livro Sobre Nada)

sexta-feira, março 09, 2007

As cidades provisórias


Para Elisandro Dalcin

Tem aqueles que viajam. Trancam a porta e saem pro mundo. Os que ficam, se perguntam: pra quê?

Viajar é legitimar a busca, objetivo máximo da existência humana. Tão simples compreender. Viajantes são criaturas naturalmente insatisfeitas, inacabadas. Quando encontram o que buscavam, deixam de ser viajantes. Precisam urgentemente voltar pra casa.

Seria então inútil a viagem?, se perguntam os que ficam. Gláucia diz que não. É preciso sentir prazer em estar de passagem, saborear o recorrido. Ninguém chega à cidade definitiva sem haver percorrido dezenas de cidades provisórias.

O mesmo ocorre com as pessoas provisórias, explica Gláucia, quem há muito deixou de viajar. Quando se encontra o definitivo, o porto permanente a que atracar, torna-se desnecessário seguir viagem.

Saber escolher a cidade-pessoa definitiva é o que diferencia viajantes autênticos de turistas temporários. Mas Gláucia já fez sua escolha. E garante: não há realização maior que a certeza de haver escolhido a cidade certa. O destino último da caminhada.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

O Sal das Rosas

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

As preocupações metafísicas


A Pior Banda do Mundo
Vol. 2 - O Museu do Acessório e do Irrelevante
José Carlos Fernandes

(clique na figura e dê o zoom)

terça-feira, janeiro 23, 2007

Mariana

Há pouco tempo, Vicente, de 4 anos, falava errado o nome de sua irmã, Mariana, 13 anos. Dizia "Maliana".

Uma manhã acordou ansioso:
- Preciso ligar para minha mana.

Perguntei o que tinha acontecido:
- Aprendi a falar Mariana, MA-RI-A-NA. Ela tem que saber.
Eu chamava a pessoa errada, agora vou chamar a certa.

(Roubado do blogue de Fabrício Carpinejar)

sexta-feira, janeiro 19, 2007


Imagem: M. C. Escher

Quando caminho para o trabalho, escolho sempre a rua dos chorões. Comovem-me os galhos verdes escorrendo em silêncio pela calçada. Subo sempre no mesmo ônibus. Invariavelmente atrasada. A paisagem também retrocede no tempo e quando percebo as alamedas da minha infância já estão por toda parte: o clube, a casa, a pré-escola. Pensamentos se misturam à fuligem dos carros e o barulho das avenidas, eu desço da estação-tubo e imagino minha mãe lendo o jornal na mesa da sala, tomando o café, no quinto andar. Quando caminho para o trabalho, lembro fragmentos de sonhos desordenados, quase sem sentido. Descontextualizadamente, aceno um cumprimento ao senhor da barbearia, um bom dia à mocinha que varre os azulejos da garagem, Quando caminho para o trabalho, reparo em casas que desconheço e imagino quem vive ali, seu nome e sobrenome. E então, pelo caminho, fotografo nuvens na retina para relembrá-las depois, debaixo das pálpebras.

E penso em ti já com saudades antes mesmo de fechar a porta de casa. A cama me abraça, você me abraça e o cheiro doce que fica nos meus cabelos me acompanha pela rua dos chorões. Quando caminho para o trabalho.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

fe-li-ci-da-de # 3


o som do mar de manhã; morango com creme de leite; tirinhas da Mafalda no original; cabelos ao natural; sua voz de manhã; contar o tempo sem relógio; acordar sem despertador; um filme de Frank Capra; reencontros-surpresa no centro de Curitiba; cartas de Paula Albuquerque; o piano de vó Doris; sua voz de madrugada; energia solar; energia racional lado A/B; receitas de Carmela, toda a programação do canal Futura; férias coletivas; miados muito meigos; lingerie de algodão; Arnaldo Antunes; franjas bem curtinhas; saquê gelado; sua voz de noitinha; um filme de Woody Allen; brindes para o ano novo; brindes todos os dias do ano novo; acampar em casa; sessões de shiatsu; pimenta calabresa; rever fotografias guardadas em caixas de sapato; reler O Analista de Bagé no banheiro; coletâneas musicais em CD-R; tua voz a qualquer hora; dormir até bem tarde; escrever sem pontuação

(fotografia: Mari Sanchez)

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Mais ou Menos (carta de intenções para 2007)


Dezembro.
Um novo fim que se aproxima.
Mais uma missão compridamente cumprida.
O cheque-mate do calendário.

Só que
antes de rasgar a última página da folhinha,
eu vou escrever uma carta mimosa para mim mesma,
onde serão traçados os planos de praxe,
aquelas promessas que antecedem Janeiro,
talvez por hábito
ou pura esperança.
Ou ainda, por acreditar na matemática básica como antídoto,
visto que quase tudo pode ser resolvido na conta de mais
ou menos.

Então, em dois mil e sete eu quero

Mais céu azul, menos tempestade
Mais terrorismo poético
Menos insônia na segunda
Mais descobertas na cidade
Menos hits radiofónicos
Mais herbie hancock no walkman
Menos repulsa ao mamão papaia
Mais prudência ao devorar uma caixa de bis
Menos leituras atrasadas
Mais entusiasmo ao acordar
Menos poder à W. Bush
Mais cor nas comidas
Menos lágrimas escondidas
Mais calma quando faltar chão
Menos ônibus lotados
Mais vitamina C
Menos medo de baratas
Mais fotografias pb
Menos leituras obrigatórias
Mais dentes sorridentes
Menos promessas não-cumpridas
Mais versos de Pessoa
Menos problemas inventados
Mais música de vinil
Menos rios metafísicos
Mais visitas e louças pra lavar
Menos insatisfação gratuita
Mais domingos de manhã na cama
Menos contas do celular
Mais contos por escrever
Menos palpite furado
Mais palpite certeiro
Menos zapping na televisão
Mais piqueniques no parque
Menos junk-mails
Mais cartas pelo correio
Menos desgraça nos noticiários
Mais cafunés diários
Menos bagunça na gaveta de meias
Mais molho no macarrão
Menos outdoors na cidade
Mais viagens compridas
Menos frio nos pés
Mais calor nos corpos
Menos desistências
Mais cumplicidade
Menos idas ao supermercado
Mais idas à feira
Menos reclamações do clima
Mais atitudes espontâneas
Menos buzinas de trânsito
Mais flores decorando a sala
Menos depilação à cera
Mais poemas colados na geladeira
Menos cobranças a si mesmo
Mais reuniões a céu aberto
Menos relógios e burocracias
Mais partidas de dominó e xadrez
Menos partidas de amigos
Mais agá dois ó, menos te-pe-eme
Mais chimarrão com o avô
Menos computador que trava
Mais doçura ao atender o telefone
Menos desperdício, mais reciclagem
(um pouco) menos de vagabundagem
Mais quadros na parede
Menos Estado, mais indivíduo
Mais respeito aos ciclistas urbanos
Menos necessidade de dinheiro
Mais cronópios, menos famas
Mais tempo do seu lado
Menos comida enlatada
Mais pedaladas noturnas
Menos esquecimento
Mais cordialidade
Menos militares
Mais domingos
Menos segundas-feiras
Menos listas como essa

Mais sonhos, menos planos.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

vamos, indo.

Pedro Carrano parte novamente de encontro às cidades invisíveis.
E sua mochila vai cada vez mais leve.

As histórias ele deixa aqui, feito rastro.