segunda-feira, maio 22, 2006

Janelas


pariso
novayorquizo
moscoviteio
sem sair do bar
(leminski)

Luis viveu em muitos lugares.
Foi correspondente internacional de jornais importantes, acompanhou guerras e conflitos de toda ordem em terras distantes, alcançou notoriedade. Andou por cidades mortas, paisagens esquecidas, ruínas quase mais vivas que o cheiro do vento e da terra úmida. Dormiu em camas de mulheres cujo nome nunca soube. Teve filhos de muitas nacionalidades, em anos diferentes, de diferentes mães. Matou e morreu tantas vezes que já não sabe contar. Amou, doeu, fugiu e voltou infinitamente, mesmo quando não devia. Conheceu homens e terras castigados, vidas roubadas jamais devolvidas. Conheceu a morte em suas diversas formas. Viu presidentes serem depostos, viu governantes serem substituídos, viu o Papa ser substituído. Esteve longe, sonhou sua casa, sonhou a mulher que nunca teve, sentiu frio e fome e medo. Cansou de esperar. Cansou de desesperar. Mandou mensagens incompreensíveis dentro de garrafas pet lançadas do Pacífico ao Atlântico. Mudou de profissão, mudou de nome, trocou de chapéu tantas vezes quanto mudou de idéias – "não é bom levar por muito tempo as mesmas coisas sobre a cabeça", dizia. Chorou em público dentro do metrô. Viu nuvens formarem desenhos bonitos. Escapou das fumaças das bombas de gás e teve os olhos ardendo em febre. Se despediu de amigos em portos e estações rodoviárias e teve os olhos ardendo em lágrimas. Viu gente morta na estrada, animais estilhaçados no asfalto, corações estilhaçados em tantos peitos em tantas pátrias. Dormiu sua última noite longe de casa na cabine de um caminhåo sentindo o cheiro azedo da noite mesclado a saudade e pneu queimado.

Luis foi tudo e não foi nada. Não fez a mínima diferença. E hoje, no auge da idade, quando cruza a rua nove na esquina da casa de pedras que já foi jardim de infância, quando passa com sua bicicleta azul possante no bairro em que viveu quando criança, Luis pensa que durante todo esse tempo nunca transpôs os limites da Campina do Siqueira. E que a rua nove, cenário de guerras eternas e sublimes conflitos, poderia ter sido o mundo todo.
O mundo visto de uma única janela.

5 Comments:

Blogger Vizionario said...

Enxuto e sêco, o texto. Dizem que Kant também nunca foi a mais de 100 Km de Königsberg.

3:42 AM  
Blogger quê? said...

parabéns pelos textos.
um bom lugar pra ir.

2:48 AM  
Blogger L. said...

se eu tivesse seu e-mail, eu mandaria meu e-mail. agora vou ler isso aqui.

1:48 AM  
Anonymous Anônimo said...

voy a llorar en un combi llena de vendedores de papas amarillas.

4:13 AM  
Blogger elisandro said...

O mundo cabe todo dentre de uma janela. Sejam eles dois recortes ovalados como os olhos ou um moldura quadrada de uma janela de onibus ou até mesmo um persiana . Mas sempre atraves um olhar: curioso, medroso, arrebatado, fingido, apaixonado, triste e muitos outros tipo...

5:34 PM  

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