
Agora eu entendo, embora tarde. Nenhuma infância pode ser completa sem um cão, um walkman e uma bicicleta. Existem alternativas funcionais como ramsters, tartarugas, radinhos de pilha, pogobol. Mas nada, ninguém, brincadeira alguma substitui tamanho contentamento: um cão que sorri pela cauda, a música ladeira abaixo na bicicleta sem freios.
Então, aos vinte e cinco anos Denise decidiu comprar uma bicicleta, adotar um cão, adquirir um walkman. Mas a nostalgia romântica da infância de Denise se viu frustrada: o walkman não precisava de pilhas nem fitas k7, a música no mp3 player tem a duração infinita de 5 gibabaites. A bicicleta de 21 marchas tampouco tinha graça, não desafiava seus joelhos na subida.
Por fim o cão, um poodle miniatura tingido de rosa, mais parecia pelúcia para enfeitar quarto de menina.
Denise não é mais menina, e num ataque de súbita raiva adulta se desfez de tudo, zangada por não conseguir mais ser criança. Invejosa, observa de longe a sobrinha Julia de 6 anos correr pelo pátio com seu poodle pink.
- "Como ela consegue?", resmunga Denise, pouco antes de entender que o cão, o walkman e a bicicleta agora também viraram adultos.