terça-feira, julho 11, 2006

O amor é fodido #2


"Quanto mais vou sabendo de ti, mais gostaria que
ainda estivesses viva. Só dois ou três minutos:
o suficiente para te matar"
(Miguel Esteves Cardoso)


Como um gato, cheguei silenciosa deslizando pelo piso da enorme sala vazia. Arisca, já fui lambendo tuas costas mornas com a ponta da língua. Comecei mordiscando devagar e escalei até a nuca, onde encontrei uns poucos pêlos eriçados cheios de vergonha.
Ri da fala preguiçosa resmungona, de você sorrindo tímido e fechando os olhos docemente, das pequenas rugas de riso que se formavam no canto da cara.
O cheiro da tinta branca que aos poucos cobria as paredes do apartamento se misturava com teu suor e a ventania do fim de tarde. Então eu me atirava contra teu peito, suja de pó da mudança, tropeçando em jornais antigos, a camiseta respingada de tinta. E já não havia mais camiseta nem tinta nem cintos zíperes botões e era só o suor e o som seco das paredes, o apartamento vazio fazendo eco, imitando nossas ruidosas bocas que se buscavam avidamente, mordendo-se, e não demorava para minhas costas se tingirem de branco, esgueirada na parede enquanto você escalava meu corpo lancinante, meus dedos voluptuosos apertando tuas costas claras, cravando as unhas profundamente, arranhando a palidez da tua pele lisa, pedindo que mais e as paredes repetindo em sua branca e insistente súplica, que era também a sua, uma súplica ansiosa e já quase cega de dor, enquanto manchava as brancas paredes formando paisagens abstratas com o vermelho que agora escorria quente das tuas costas.

3 Comments:

Blogger Vizionario said...

Passou a ser, se considerarmos que estou colocando tudo em perspectiva histórica. O dinheiro não existiu sempre. E quando não existia, algo deveria preencher este vazio, ou seja, catalizar vontades. O que era então? Em um contexto em que o dinheiro não existia, será que não havia mais espaço para o maravilhoso, para o maravilhar-se? E nem precisamos ir tão longe, peguemos o exemplo, sempre à mão, da infância. Quando somos crianças é o dinheiro que cataliza nossas vontades? Acho que a resposta é não. Por isso escrevi que monetarizaram o sonho. Existe algum espaço, algum intervalo de tempo que é válido tanto para o exemplo da infância, quanto para a sociedade, em que o maravilhar-se, com todas suas possibilidades, se reduz ao dinheiro, ao quanto.
Você pode dizer que sou romântico, sonhador.... but I'm not the only one.


PS: Gostei da construção deste conto com poucos pontos. E da temática. Acho que esses blogs estão com as libidos afloradas...

12:07 AM  
Blogger elisandro said...

Dizer o que... Quando vc se muda? Vou comprar um lata de tinta branca.

12:19 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ave, Mariellen, me deu um calor! %-)

6:23 PM  

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