
Imagem: M. C. Escher
Quando caminho para o trabalho, escolho sempre a rua dos chorões. Comovem-me os galhos verdes escorrendo em silêncio pela calçada. Subo sempre no mesmo ônibus. Invariavelmente atrasada. A paisagem também retrocede no tempo e quando percebo as alamedas da minha infância já estão por toda parte: o clube, a casa, a pré-escola. Pensamentos se misturam à fuligem dos carros e o barulho das avenidas, eu desço da estação-tubo e imagino minha mãe lendo o jornal na mesa da sala, tomando o café, no quinto andar. Quando caminho para o trabalho, lembro fragmentos de sonhos desordenados, quase sem sentido. Descontextualizadamente, aceno um cumprimento ao senhor da barbearia, um bom dia à mocinha que varre os azulejos da garagem, Quando caminho para o trabalho, reparo em casas que desconheço e imagino quem vive ali, seu nome e sobrenome. E então, pelo caminho, fotografo nuvens na retina para relembrá-las depois, debaixo das pálpebras.
E penso em ti já com saudades antes mesmo de fechar a porta de casa. A cama me abraça, você me abraça e o cheiro doce que fica nos meus cabelos me acompanha pela rua dos chorões. Quando caminho para o trabalho.