quarta-feira, outubro 04, 2006

C'est fragile


Unilever. Bauducco. Mon Bijou. Todeschini. Meu quarto de solteira convertido em plástico-bolha e papelão de supermercado. Não tenho nada de valor. Meus mimos não valem centavos. Ainda assim, nem tudo cabe nas caixas de Sucrílhos Kellogg`s e cigarros da Souza Cruz.
E me desespero para não me desfazer dos livros infanto-juvenis. E me atormento pelos diários e fotografias dos tempos do cursinho que vão ficando pra trás, sofrendo para livrar-me dos bilhetes carinhosos das amigas e das cartas de meu avô. Porque nem tudo cabe dentro das caixas do Carrefour, e meus discos de Lennon e meus livros de Marx se debatem confinados entre quatro paredes de papelão com o emblema da Coca Cola. Quanta incoerência nisso tudo. Não há maior angustia que empacotar todos os itens da minha solterice. Um quarto de século não pode caber em uma dúzia de caixas. (Mas então, como um quarto de século cabia em meu quarto?) E será simplesmente inevitável perder meus tesouros preciosos, minhas pedras trazidas de fundo de rios, minhas pétalas de flores marcando páginas literárias, os poemas de Pedro escritos em folhas de plátano. Nestlè. Palmolive. Sadia. Me perdoem por tudo isso. Mudar de casa é faxinar lembranças. Desfazer-se de memórias materializadas. Da camisa velha pintada na escola. Dos sapatos que não servem mais. Dos quadrinhos emoldurados e uma infinita coleção de fios de cabelo, moedas antigas, anotações de viagens e tampinhas de garrafa. Então eu separo só o necessário, só aquilo que cabe nas caixas de supermercado. E atravesso a cidade num caminhão vermelho encaixotada dentro de mim mesma, com a parte de cima escrito Frágil.

8 Comments:

Anonymous Anônimo said...

que lindo Mari....
e a vida é frágil...
e me lembro de Mary (outra Mary) me avisando para não esquecer da felicidade de um supercalifragilisticexpialidoce...
O frágil está quase no meio da palavra!
Felicidades amiga.. cuide com carinho desse amor frágil da vida frágil... tudo vale a pena... mesmo que a alma seja pequenininha!

3:07 AM  
Blogger elisandro said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

3:20 AM  
Blogger elisandro said...

Refazemos, transformando de sentido o materialismo concreto em materialismo simbólico. Faz uma pedra de pluma com ingênuos sonhos arredondados pela correnteza da vida. Essas coisas, pequeninas coisas, nos preenchem quando abrimos um livro e achamos uma petala seca, um rabisco em aramaico, assim ao acaso. Envelhecemos diminuindo sonhos mas ampliando a memória que é o mais inesperado dos lugares. Beijos de quem te ama guardando lembranças de tudo atras das palpebras.

3:23 AM  
Anonymous Anônimo said...

fazia tempinho que não passeava por aqui, e já me encontro novamente nas tuas palavras e sensações. eu aqui, com olhos marejadinhos por toda essa emoção que se mistura com a tua. lindas palavras desse senhor aí de cima também, que, tenho certeza, te fez, faz e fará muito feliz. estou encantada por vocês.
amor, paula.

5:01 AM  
Anonymous Anônimo said...

Querida,
Já pensou se eu não tivesse te conhecido? Triste de mim, teria perdido tanto da vida que vejo pelos teus olhos.
Viva!
beijos,
Milla

12:16 AM  
Blogger Vizionario said...

Inspirador. Mudar é trocar horizontes. Conviver é trocar vida. Trocar é conviver com a mudança. Quanto mundo em suas palavras. Quanta esperança em seus sonhos. Quantos sonhos em seu futuro.

3:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Pelo menos, as coisas que você deixou pra trás te ajudaram a vir a ser uma pessoa capaz de tirar poesia do ato de deixá-las para trás. Já valeram. Mas espero que você não tenha aberto mão de coisas absolutamente necessárias pra pintar de colorido o presente quando ele virar muito cinza!

3:50 AM  
Anonymous Anônimo said...

Acho que faltou o endereço do meu brogue abaixo. Sorry.

3:50 AM  

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