terça-feira, setembro 12, 2006

Trompe l’ oeil


(fotografia: Renato Larini)

Ele sempre soube que teria escrito o livro de sua vida aos oito, nove anos. O romance definitivo. A aventura mais pra dentro de si próprio. Já nascera aos setenta, costumavam dizer os primos. Diziam também que seria um grande escritor, mas que antes deveria sofrer pra caralho, se atirar de cabeça na lama, passar meia dúzia de noites sem dormir e amar, amar fundo até o esquecimento.

O ruído surdo da correia da bicicleta pedalando no ar. A queda.
Sua infância não teve pipas nem cataventos. Sua música era o som das páginas virando no silêncio oco do quarto.
- “Os axolotes não têm pálpebras!”, admirava-se.
- “Em inglês, Eu e Olho se pronuncia igual”, descobria melancólico.

Aos doze anos, decidiu que não existiam as zonas intermediárias, os deltas e gamas. Ou se era, ou se não. Preferiu apenas não ser, e arquivar instantes girando o filme fotográfico até o final. Sua maneira de não-ser, tão sua, tão lucidamente confusa, nunca foi bem interpretada pelos outros. Os primos lhe tinham pena. As mulheres lhe tinham medo. Ele mesmo, não tinha muita coisa.

Mas é preciso viver absurdamente para acabar com o absurdo.
E Rodrigo aprendeu a ser mutante, reinventar-se caleidoscopicamente. Uma pintura DaVinciana que, para sempre, engana os olhos alheios. Só então Rodrigo tornou-se abstrato.

4 Comments:

Blogger Vizionario said...

Boa. Muito reflexiva, mas boa.

12:44 AM  
Blogger Vizionario said...

Concordo quando dizes que é apenas pura constatação da realidade, pois a realidade também é abstração.
Relendo agora percebi que ele não é exatamente reflexivo, é lisérgico!

Ps: Gracias por los alfajores. Guarde-os, que assim que der eu pego contigo.

10:52 PM  
Anonymous Anônimo said...

Fantastique. A temática "de tanto ler o cara deixa de ser" me apraz muitíssimo. Primo vivere, deinde filosofare!

3:31 AM  
Blogger elisandro said...

Abstrato do absurdo.

8:39 PM  

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