quarta-feira, agosto 02, 2006

pano de prato

Hoje de manhã eu comprei um pano de prato. Foi na venda da esquina e custou só um real. Sobre o desenho bordado de um radiante girassol, a frase no tecido limpinho dizia:
"tenha um dia feliz".

Logo mais o sujaremos com restos de gordura, as mãos úmidas pegajosas de cozinha. E secaremos louças compartilhadas com amigos em almoços dominicais, protegeremos os dedos das travessas fumegantes, recolheremos as migalhas miúdas do café, espantaremos insetos com ligeiros chicoteios no ar, e em seguida limparemos a pia respingada de espuma,
o suor da testa depois da faxina.

Um dia, quando já bem sujo, puído e molhado, o aposentaremos de suas funções primordiais na cozinha e o mandaremos para o exílio. Na lavanderia, lhe restará a companhia de baldes, esfregões e panos de chão. Viverá na marginalidade entre os desclassificados, destituído de seu papel social. Um caquético, um inválido. Um pano de prato convertido em piso de chão.

Também nós um dia estaremos velhos, úmidos e gastos; também perderemos o bordado, a cor, a função. Mas, antes de sermos descartados, com sorte ainda serviremos para secar alguma lágrima de cebola que porventura escapar dos olhos de uma mulher. Lágrimas de cebola são sempre uma desculpa: esfarrapada como um trapo antigo comprado na venda da esquina por apenas um real.

4 Comments:

Blogger quê? said...

Se me permite, acho que o importante é continuar dizendo "tenha um dia feliz".

11:53 AM  
Blogger Vizionario said...

Concordo com nosso amigo aí em cima. Mas por outro lado, esse seria o final óbvio. Portanto, reavaliando, ponto para vc.

Keep Groovin'!

7:49 PM  
Blogger elisandro said...

Você mais nova hoje e daqui um tempo a velhice aparente em cada uma das rugas no corpo, vai dizer: -Vem atravessa logo a rua que vem vindo um carro.
E eu mais velhinho que sinto suas mão segurando meu braço e o coração cheio de uma felicidade de viver ao teu lado.

8:44 PM  
Blogger Pedro Teles said...

Duvido que a frase "tenha um dia feliz" tenha saído do pano, já que bordada. E assim começa com essa única informação ou missão. No final o pano conhece sobre sujeira mais que qualquer outro pano limpo, conhece as mãos de muitas pessoas também, sem perder a frase, a missão. Adorei a analogia

7:28 PM  

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