terça-feira, agosto 22, 2006

a lua é flicts

Sabe aqueles dias em que o chão fica mole, a existência pesa nos ombros, as gavetas têm cheiro de mofo e nada, absolutamente nada, nem mesmo um chicabom se derretendo pelos dedinhos finos de Amanda consegue trazer algum tipo de conforto?

Pois foi num dia assim que Lucia decidiu partir pra sempre.

Ressentida, pegou a lancheira rosa e caminhou sem rumo, equilibrando-se graciosa nos trilhos do trem. Ainda na periferia da cidade, Lucia lembrou o enterro da avó. O céu cor-de-chumbo se mesclando ao cheiro de margaridas e vela derretida, o som das vozes resmungando versos bíblicos. Com os olhos fixos nas mãos pálidas da avó, enroladas no rosário carmim, Lúcia não derramou um só fio de lágrima. No fundo, esperava que nas próximas noites a avó ainda se debrussasse sobre seus cabelos de caracol dourado para contar fábulas inventadas.

Três anos depois, partiu.
As nuvens no céu cor-de-chumbo não formavam nenhum desenho. Mas ninguém sabe a verdade (a não ser os astronautas). Numa casinha à beira da estrada do Acaba Mundo, Lucia e sua avó de cabelos de algodão tomam o chá da tarde junto às formigas liláses, e esperam a lua despontar baixinho, silenciosa e derradeira.

2 Comments:

Blogger Vizionario said...

Fabuloso.

7:25 PM  
Anonymous Anônimo said...

Qto talento.
saudades amiga.
Adorei te ler.
beijos da Mel

3:46 AM  

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