quinta-feira, fevereiro 14, 2008

fragmentos cotidianos e um pouco de cafeína ou Intervalo para almoço



Na esquina da alameda carlos de carvalho com a rua ermelino de leão tem um café diferente de todos os outros. Não me refiro à decoração solene e harmoniosa, com sua pequena varanda que dá pra rua, portas de vidro muito altas, espelhos e ventiladores de teto soprando guardanapos. Falo da cidade, que se estende lá fora até entrar em meu campo visual pela grande e estreita porta da frente. É um pouco como a taberna que Wayne Wang filmou numa esquina do Brooklin na década de noventa. O mundo inteiro passava por ali, entrava, existia por alguns minutos e depois saía com uma carteira de cigarros de menta e um punhado de moedas nos bolsos.


Vou lá todos os dias, na hora do almoço, acompanhada de Felisberto Hernández, Albert Camus ou Julio Cortazar. As leituras de sempre. Hoje uma garçonete pequenininha derrubou uma xícara de café espumante quando me servia, melecando meus sapatos e o chão quadriculado do estabelecimento. Dois executivos da mesa ao lado preocuparam-se pelos cacos de porcelana – barata, comprada em campo largo – e pelas abelhas que rondavam o líquido doce. Eu disse que tudo bem, no máximo sairíamos um pouco mais açucarados. Nada mal, se hoje é Valentine’s day.

Cafés não são como aeroportos, táxis ou shopping-centers climatizados, e é por isso que gosto de sentar aqui para ler um livro ou me sentir menos sozinha, o que pode soar redundante. De onde estou consigo ver o antigo Cine Lido, um dos cinemas de rua convertidos em bingo, onde assisti às películas de Indiana Jones com meu pai. A cidade era outra, o caos mais ameno, Leminski ainda escrevia e o café da Boca tinha outro perfume. São dez pras duas. A breve fenda no tempo que se abre enquanto tomo o café e permaneço aqui já se prepara para fechar. De novo o expediente, o automatismo, um elevador lotado até o décimo terceiro andar. Pago a bebida e enquanto espero as moedas aproveito os últimos minutos para espiar a esquina pela fresta de vidro. Bem no cruzamento da alameda carlos de carvalho com a rua ermelino de leão, uma chuva melancólica está pronta para começar.

(fotografia: elisandro dalcin e sua flexaret)