quarta-feira, julho 25, 2007

e o caos ainda é portátil

Ilustra e texto de Orlando Pedroso.

sábado, julho 21, 2007

Era uma casa muito engraçada...


Não era muito longe: cem quilômetros da cidade, cem passos do mar. Nos anos cinqüenta, era ali que ficavam as férias de Cecília, aquela magrelinha de biquíni que se bronzeava muito. Na casa, era só ela e a mãe, até que no último dia de praia o pai chegava, levantando poeira no belair cinza-claro para levar as meninas de volta à cidade. Fim de férias, Cecília já era mulata-carvão, nem o pai reconhecia. Ela cresceu, namorou e namorou. Nos anos setenta conheceu o noivo, foi logo ali, na outra praia.

A casa ainda era a colônia de férias dos filhos: longos galhos de árvore para escalar, pão perfumado feito em casa, o cabelo pixaim da dona Vina, bete-ombro na rua de trás. A família era de açúcar, um dia desmanchou. A casa foi mais forte – era feita com muito esmero – e agüentou firme os anos. Pescarias com o avô, festas de natal e um colchão extra para os primos. Depois vieram os carnavais, os namorados, a galera do cursinho. Era uma casa muito engraçada. Falávamos em juntar fotografias, frases e poemas, enterrar no quintal, na raiz da árvore, e abrir só depois que. Ou nunca. Mas a memória não se enterra, e ela continuou habitando as paredes, lajotas, teto e rachaduras.

Agora, não estamos mais lá. Nossas férias têm outros donos. Outros nomes. Outras histórias. Nossa casa não tem mais teto, não tem mais nada. E agora ninguém pode entrar nela, não. Nem dormir na rede. Nem fazer pipi. Mas a Terra gira e o mar continua indo e vindo, a cem passos da casa. Na rua dos Bobos, número zero.