quarta-feira, março 28, 2007

Instruções para conhecer Buenos Aires


A uma semana de pisar novamente em Buenos Aires, reproduzo aqui esse texto escrito dois anos atrás, em tempos de aventuras libertário-literárias com Pedro Carrano.

Primeiro, circule no mapa da cidade todos os 150 lugares que se quer conhecer, mesmo sabendo que seriam necessárias 3 semanas pra percorrer a metade deles.

De manhã, ao acordar, tome seu desayuno escutando a rádio La Dos por Cuatro e arrisque uns passos de tango se ninguém estiver olhando.

Sorria sempre que vir um homem argentino cumprimentando outro com um beijo na bochecha, sem as viadagens típicas dos brasileiros.

Fotografe a casa rosada com filme preto e branco.

Apêndice 1: as ruas

Marque um encontro qualquer na esquina da Corrientes com a Anibal Troilo, como faziam os dirigentes do partido socialista argentino.

Por alguns minutos tente imaginar a cor dos olhos de Juana Manso - umas das 30 mil pessoas que desapareceram em Buenos Aires na época da ditadura - enquanto se caminha pela rua que tem o seu nome, perto de Puerto Madero.

Num domingo de chuva, passeie tranquilamente pelas ruas de liliput, assim chamadas pelos moradores do bairro de Flores, quando crianças.

Escolha uma tarde de sol infernal e caminhe da plaza de mayo até a recoleta até encontrar a biblioteca nacional fechada. Volte sem fazer cara feia.

Duvide, realmente duvide que a 9 de julio é a avenida mais larga do mundo. Diga isso a um portenho e observe como sua expressão facial se altera em poucos minutos.

Apêndice 2: conhecimento-geral

Aprenda que há milhares de anos na Patagônia existiu o Argentinosauro.

Se sinta um palerma por não entender a maioria dos lunfardos (gírias) portenhos.

Saiba reconhecer que a expressão "Aburrido como una tortuga de aljibe" é de uma melancolia e beleza que não existem na língua portuguesa.

Deixe a letra de um tango te ensinar que "mate", além de bebida, é uma outra palavra para "cérebro".

Apêndice 3: os metrôs

Preste atenção nos portenhos que trazem debaixo do braço grossos volumes para ler entre uma estação e outra. É interessante perceber os títulos, que vão de Mario Benedetti a El Ladrón de Tumbas, passando por obras acadêmicas que as universitárias lêem orgulhosas enquanto se penduram nas argolas do teto dos trens.

Mais de uma vez, faça o percurso do metrô pela linha A, a mais antiga da cidade, parando em todas as estações desde a Primera Junta até a Plaza de Mayo em busca das criaturas pálidas que habitam os subterrâneos de Buenos Aires. Lembre-se que, por cima do túnel, corre a Avenida Rivadavia.

Ande de metrô escutando Tosca Tango Orquestra no walkman e note como até as velhas gordas com sacolas de mercado parecem saber dançar.

Outros apêndices

Incline a cabeça num ângulo de 95 graus e repare os detalhes das folhas de Tipas, imensas árvores responsáveis pelas sombras frescas do Museo de Ciencias Naturales.

Tente enxergar o menor parque de diversões do mundo quando passar pela esquina da Rojas com a Bacaray, em Caballito.

Passe em frente ao zoológico de Buenos Aires, morada de um sem-número de gatos, e faça um telefonema demorado.

Escondido atrás de uma roseira, tire fotos dos casais que passeiam pelo parque 3 de Febrero, em Palermo, e vibre se conseguir clicar um beijo.

Assista a uma película portenha com Ricardo Darín sem legendas, num cinema de arte da calle Suipacha.

Jamais desista de encontrar o lendário cantor de tango Julio Martel, mesmo que tenha que passar pelas ruas mais obscuras da cidade ou entrar no Palácio de Obras Sanitárias da calle Cordoba.

Bote a mão no peito quando tocar o Hino Argentino à meia noite, transmitido por todas as rádios da capital quando se encerra a programação.

Agora, volte aos 150 pontos circulados no mapa da cidade, ache mais 70 e guarde tudo pra ver - e rever - quando voltar à Buenos Aires.
Porque, sim, você vai voltar.

quarta-feira, março 14, 2007

Manual do Manoel (pelo Dia Nacional da Poesia)

"Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos".
(Manoel de Barros, Livro Sobre Nada)

sexta-feira, março 09, 2007

As cidades provisórias


Para Elisandro Dalcin

Tem aqueles que viajam. Trancam a porta e saem pro mundo. Os que ficam, se perguntam: pra quê?

Viajar é legitimar a busca, objetivo máximo da existência humana. Tão simples compreender. Viajantes são criaturas naturalmente insatisfeitas, inacabadas. Quando encontram o que buscavam, deixam de ser viajantes. Precisam urgentemente voltar pra casa.

Seria então inútil a viagem?, se perguntam os que ficam. Gláucia diz que não. É preciso sentir prazer em estar de passagem, saborear o recorrido. Ninguém chega à cidade definitiva sem haver percorrido dezenas de cidades provisórias.

O mesmo ocorre com as pessoas provisórias, explica Gláucia, quem há muito deixou de viajar. Quando se encontra o definitivo, o porto permanente a que atracar, torna-se desnecessário seguir viagem.

Saber escolher a cidade-pessoa definitiva é o que diferencia viajantes autênticos de turistas temporários. Mas Gláucia já fez sua escolha. E garante: não há realização maior que a certeza de haver escolhido a cidade certa. O destino último da caminhada.