sexta-feira, outubro 27, 2006

Paisagem progressiva #1


Fotografia: Mariana Sanchez

sexta-feira, outubro 20, 2006

(a perfect day to lock yourself inside)

(E quando sentia qualquer desespero, eu olhava pra cima e via um céu pálido sobre o topo dos prédios. Devo ter passado a vida toda em Curitiba olhando o mesmo céu pálido e os mesmos topos dos prédios oprimindo nossas cabeças, e eu sei que você também, do contrário não estaríamos aqui agora./Receio não saber mais escrever em terceira pessoa. Mas não se afobe não, que isso é só literatura - ouro ou merda./Não posso dormir de noite, as imagens da tevê agora estão amalgamadas em meu cérebro. Então amanhece e o rumor dos pesadelos vai me acompanhando no ônibus./Andar de ônibus é tão triste. Hoje, vi um homem com zero pernas e uma velha se arrastando pelos corredores do biarticulado, resmungando: peloamordedeus, alguém me ajude./Em Curitiba, só os fantasmas andam de ônibus. Devo ter morrido há muito tempo. Mas talvez não, porque ainda me sobram os olhos para ver anúncios de propaganda espalhados pela ventania./É como se a cidade inteira tivesse sido tomada pela publicidade, como se tudo fosse marcas de cerveja e desodorante./E quando eu tenho a felicidade e a bênção de encontrar um outdoor esquecido em branco, por descuido ou acaso, eu sinto o mesmo frescor e a brancura de olhar o céu pálido e o topo dos prédios em Curitiba./E olho pra cima, e solto um grito abafado, engolindo seco toda a neblina.)

quarta-feira, outubro 04, 2006

C'est fragile


Unilever. Bauducco. Mon Bijou. Todeschini. Meu quarto de solteira convertido em plástico-bolha e papelão de supermercado. Não tenho nada de valor. Meus mimos não valem centavos. Ainda assim, nem tudo cabe nas caixas de Sucrílhos Kellogg`s e cigarros da Souza Cruz.
E me desespero para não me desfazer dos livros infanto-juvenis. E me atormento pelos diários e fotografias dos tempos do cursinho que vão ficando pra trás, sofrendo para livrar-me dos bilhetes carinhosos das amigas e das cartas de meu avô. Porque nem tudo cabe dentro das caixas do Carrefour, e meus discos de Lennon e meus livros de Marx se debatem confinados entre quatro paredes de papelão com o emblema da Coca Cola. Quanta incoerência nisso tudo. Não há maior angustia que empacotar todos os itens da minha solterice. Um quarto de século não pode caber em uma dúzia de caixas. (Mas então, como um quarto de século cabia em meu quarto?) E será simplesmente inevitável perder meus tesouros preciosos, minhas pedras trazidas de fundo de rios, minhas pétalas de flores marcando páginas literárias, os poemas de Pedro escritos em folhas de plátano. Nestlè. Palmolive. Sadia. Me perdoem por tudo isso. Mudar de casa é faxinar lembranças. Desfazer-se de memórias materializadas. Da camisa velha pintada na escola. Dos sapatos que não servem mais. Dos quadrinhos emoldurados e uma infinita coleção de fios de cabelo, moedas antigas, anotações de viagens e tampinhas de garrafa. Então eu separo só o necessário, só aquilo que cabe nas caixas de supermercado. E atravesso a cidade num caminhão vermelho encaixotada dentro de mim mesma, com a parte de cima escrito Frágil.